segunda-feira, outubro 08, 2007

o septuagésimo miado

O blogue como espaço de escrita e reflexão

As mãos são o veículo, os dedos transportam o combustível e levam-no às teclas. Das teclas surgem ligações que dão a mostrar aos olhos humanos o agrupar de palavras no ecrã, onde se revela, com o seu próprio tempo, o discurso que demonstra naquele momento a vontade de expressão do indivíduo, ou grupo de indivíduos.

Esta expressão escrita tem nos novos meios uma forma poderosa de se fazer notar – eis o mais exponencial exemplo dos nossos dias, o blogue. Em cada tecla que se digita neste momento, multiplicam-se estes novos espaços pelo mundo “info-incluído”. Por agora, surge dizer que a ideia imanente é a vontade do ser humano continuar a desenvolver a sua natureza expressiva, através daquilo que ele próprio cria. A sociedade molda-o e vai sendo moldada por ele, pelo que cria ou por aquilo que permite que aconteça, com maior ou menor consciência e/ou criticismo.

Como se processa então este processo comunicacional, e como poderá ser de facto uma forma de reflexão? Antes de mais, estabelecemos o ponto de partida na própria escrita à mão, em suporte papel, nomeadamente nos parentes mais próximos do blogue, como são o caso dos diários ou das crónicas (igualmente ordenados por uma ordem cronológica e pela temática). Trata-se aqui de proceder a uma observação, muitas vezes esquecida, do próprio corpo do indivíduo quando escreve. Veja-se então e sejam comparadas as diferenças: a escrita tem lugar, mais ou menos fluente, com o corpo debruçado e o seu olhar de forma descendente, sem que haja tanto cansaço como existe no olhar para um ecrã de computador; não é necessária electricidade, existe total autonomia. O resultado da escrita, no caso do papel, tem um carácter portátil e facilmente partilhável, e implica contacto pessoal ou social directo.

No caso da escrita em blogue, surge portanto a questão de saber quais as formas de nos relacionarmos com este meio, com o seu objecto físico sobre e para o qual se deposita essa expressão. Há que perceber primeiro quais sãos os “pais”, ou seja, o quê e quem possibilita este serviço: para já, obviamente é necessária a posse de um computador com ligação à Internet, ou se não, que se tenha acesso a um computador de outrem, ou de um serviço (mais ou menos) público. Saliente-se de imediato, que os pais materiais do blogue – a Internet e o computador –, são prerrogativas de um mundo de países desenvolvidos; um mundo democrático de múltiplas expressões, mas ao mesmo tempo a braços com um perigo de manutenção da liberdade. Note-se que a própria gerência do blogue pode ser sintomática dessa problemática – questionamos assim este espaço de escrita e reflexão livre, no sentido amplo; há que tomar consciência dos condicionalismos de várias ordens, que funcionam actualmente de uma forma subtil, sub-reptícia: o blogue foi impulsionado pelos grandes grupos informáticos, assim como a rede global, a sua gerência e manutenção. Existem limites, de facto, à expressão individual; sabe-se que não existe segurança real no uso dos dados pessoais, e é também certo que, para se aceder aos serviços de um blogue (pelo menos num grande servidor), tem de ser digitada a palavra passe de um correio electrónico pessoal. Na verdade, tudo é supervisionado, ou passível de ser – a liberdade de expressão é muito relativa. Do mesmo modo, um “bloguer” pode ter a sua identidade escondida, mas é perfeitamente possível saber-se a sua localização e os seus dados de registo.

Aparte estas questões que poderão tomar-nos consciência da relação pessoal com o blogue, dos seus limites e cuidados, há que retomar um ponto essencial: a motivação do indivíduo (ou grupo) para decidir criar o seu próprio espaço, para além da necessidade natural, humana, de expressão e comunicação. Nessas razões poderá estar precisamente essa simples vontade de expressão pessoal, com mais ou menos disciplina de escrita, como confronto das suas próprias ideias e com as dos outros, abrindo de facto caminho a um verdadeiro fórum, em tempo praticamente real. No entanto, a própria motivação do indivíduo pode estar ligada ao ego, quando se levanta a seguinte questão: porque é que se tem a necessidade de se expressar o que emana do interior, para um grande universo? O próprio facto de se ter ou não o chamado feedback, da satisfação em se tê-lo, ou mesmo de não se admiti-lo também pode levado em conta... A própria forma como o blogue é divulgado (quando assim é a pretensão), pode ser feita através de ligações a outros blogues, mais populares, onde os comentários serão feitos não só pela simples vontade opinativa, mas também pelo desejo de querer divulgar o próprio espaço e assim ter mais visitas – arriscamos dizer, uma espécie de exibicionismo…
Bom, mas cuidados e críticas aparte (no sentido das várias motivações que envolvem o acto de se ter um blogue), o que acontece é na realidade um espelhar do indivíduo. Mesmo que exista mais ou menos anonimato, que se siga uma temática com escape a um alter-ego, a própria pessoa revela-se e até pode descobrir-se a si própria, escrevendo para um meio que sabe que tem o potencial de ser visto por, virtualmente, milhões de pessoas, e que estas têm também capacidade de resposta e podem estimular o desenvolvimento de um caminho mútuo de aprendizagem. É também um poderoso meio de publicidade pessoal, além de que se podem publicitar outros espaços da preferência do “bloguer”, criando também um conhecimento mais vasto dos interesses do próprio, numa abertura e demarcação do seu território em rede. Acrescente-se, como nota, que tal tem sido conseguido pela facilidade de criação e manutenção deste meio. Qualquer pessoa, seguindo as instruções fáceis de um servidor, pode construir e manter o seu próprio blogue. A formatação tem os seus limites, mas é possível cada vez mais variar e explorar novos designs. E lembre-se também a possibilidade de serem utilizados outros meios para sustentar a mensagem, como os recursos áudio, vídeo, desenhos, imagens, enfim, tudo o que amplifica o poder da expressão…
A massificação da escrita, aberta e acessível ao mundo com esses meios, é uma realidade. Será que a escrita acompanha a reflexão ao mesmo ritmo, no que toca a uma expressão realmente mais livre, dentro dos limites referidos?... Tudo é possível, porque cada ser humano tem a sua própria história e envolvimento social. Todos os meios podem ser usados para todo o tipo de propósitos. Afinal, trata-se precisamente de uma massificação e não de uma democratização – repare-se nos exemplos da manipulação da informação, presentes nos regimes ditatoriais, ou no caso concreto dos últimos conflitos no Médio Oriente, quando o blogue se tornou o veículo preferencial para a propaganda, de cada um dos lados…
Para concluir, partimos da relação do corpo com o blogue, da forma como o cérebro projecta os dedos para as teclas, e depois usa uma das suas mãos para o “rato”, na posição standard, usada por todo o mundo “info-incluído”. Apesar da estandardização da forma de escrita e da formatação que o computador obriga, ainda há lugar para as mãos entrarem dentro do ecrã e deixarem a sua assinatura – tudo isto é afinal a natureza do homem, da sua interacção e interdependência, da necessidade de se expressar, em ser ouvido, em tomar parte do mundo, mesmo que seja só o seu mundo… A questão essencial está em perceber se o blogue, como espaço de escrita e reflexão (e com tanto potencial e poder), pode realmente ajudar o ser humano à sua evolução pessoal e social, através da partilha. Se já serviu para ajudar a dar outros mundos ao mundo de um só indivíduo, então aí está um processo enriquecedor. A grande novidade é que o indivíduo tem agora o poder da publicação, com a maior projecção possível como potencial. E ainda por cima tem o poder de comentar e ser comentado… Se assim é, cresce a responsabilidade para todos nós, onde quer que esteja o nosso mundo, dentro e fora de tantos... Retomemos a ideia do início destes nossos comentários – as mãos são o veículo de todas as vontades.

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